Tuesday, October 11, 2011

Alberto e Domingos Martins


Alberto é um negro, talvez mulato. Tem um biótipo de ascendência africana, dos nativos daquele belíssimo continente. Tem o sorriso aberto e os dentes alvos dos nascidos lá. Sua gente, no início de nossa história era escrava. Servia as pessoas nos afazeres domésticos e carregava-as na liteira, sobre os ombros delineados pelo dorso nu, descamisado. Carregava também suas latrinas mal cheirosas no topo de suas cabeças escravizadas, como o próprio corpo, em seu pensar, em seu desejo de estudar. Com o tempo, essa gente mostrou o seu valor, as suas inegáveis qualidades culturais e a sua contribuição para a formação de nosso país é de um valor imensurável. Apesar de nem sempre nossa gente, européia ou africana, reconhecer isso. Se antes éramos uma selva quase inabitada hoje parecemos ser uma selva densamente habitada. Temos medo do próximo, de conhecer o próximo, de ajudar o próximo. Feras que se entreolham, assustadas.
Foi assim com Alberto, infelizmente. Trabalhador, ele empregou-se no shopping, pelo que diz a imprensa, e servia as pessoas no cotidiano da vida alegre dos consumidores em festa. A Casa Grande e a Senzala agora ocupam o mesmo espaço físico e as pessoas, modernos senhores de engenho e escravos disciplinados, convivem abertamente, mas ainda socialmente hierarquizados. Descendentes de africanos não mais carregam liteiras, pois dirigem automóveis de madames. Não mais carregam latrinas morro abaixo, mas limpam banheiros. O que importa é que continuam servindo as pessoas, cuidando delas, especialmente em suas residências. As Donas Maria da vida, solitárias nos quartinhos de empregada ou amarrotadas nos ônibus que as levam para a senzala, ao saírem da casa grande, na cidade.

Alberto, depois de trabalhar, pensou fazer o mesmo. Amarrotar-se em um transporte coletivo e ir em direção aos seus, à sua família. Depois de atender pessoas, de ajudá-las o dia inteiro caminhou em direção ao seu destino ancestral. Caminhou e caiu. Sem forças, incapaz. Tempos atrás, se houvesse um capataz, teria sido açoitado, teria apanhado, certamente. Mas não, pior do que isso foi desconsiderado. Como se não existisse. Foi desprezado e ali ficou jogado nas escadarias do palácio Domingos Martins sem ajuda, até quase morrer. Foi ajudado, oito horas depois, por um cidadão que não teve medo do próximo. Que retribuiu o que a gente de Alberto fez por esse país. Como Domingos Martins, herói nacional nascido em Itapemirim, que lutou pela liberdade do Brasil, morreu fuzilado em 1817 e hoje está no livro dos heróis da Pátria. Essa mesma pátria cuja gente tem medo de ajudar sua própria gente.

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