
Eu estava em dúvida. Não sabia se entrava na rua da direita ou da esquerda, à minha frente. Era uma noite fria, escura. Abotoei mais ainda o meu casaco, protegendo minha garganta. Foi um frio assim inesperado. Nessa época do ano não costuma fazer frio em Praga. Mas, também, era madrugada. E as madrugadas costumam ter aquele sereno úmido e frio, na Europa. Resolvi voltar para a estação de trem. Vi a locomotiva que me trouxera de Berlim ainda parada nos seus trilhos, encaixada na plataforma de embarque. Não havia movimento de pessoas e ela ficava ali inerte, com saudade de seus passageiros. Eu não tinha feito reserva de hotel e por isso minha dúvida para onde ir. Até que uma senhora rechonchuda, lenço branco cobrindo a cabeça e os cabelos, se aproximou e disse em um inglês sofrível: Quer um bom lugar para dormir...tenho uma boa casa e alugo quartos. Eu olhei para ela, para a estação quase deserta e pensei se valia a pena arriscar. Ela sacou um maço de fotografias da bolsa e me mostrou imagens convincentes para uma noite bem dormida. Com café da manhã e tudo.
Aceitei. Já sabia de outras viagens que isso é algo comum no leste europeu. Uma forma decente de ganhar dinheiro em uma economia frágil. Assim, saímos da estação e entramos em um carro com um senhor de idade que se identificou como seu marido. Ziguezagueando madrugada adentro, cortamos a cidade em direção a um bairro pouco afastado. Muito bom, por sinal. E paramos em frente a um apartamento que seria meu lugar por três ou quatro dias e noites. Coloquei minha mochila na mesinha ao lado da cama e meu New Balance, amigo incansável de tantas milhas percorridas, ao pé da cama. Só acordei lá pelas nove da manhã. Abri a porta e vi uma mesa, ao fundo do corredor, com cereais, leite, frutas, pães e café. O sol brilhava, colorindo a cortina entreaberta. Depois de um bom banho, calcei meu New Balance e fui à rua.
Vi que estava em um bairro, acho que se chama Holèsevic, muito interessante. Típico, singular. Passei pelo prédio antigo do correio e encontrei uma feira, dessas de bairro mesmo. Pouco mais à frente peguei um bondinho que me levou ao centro de Praga. A Paris do leste. A Veneza do Leste. Deixei me ficar a toa na ponte Carlos, fui à casa de Kafka e curti a vista da cidade lá do castelo. Sempre sem pressa. Em viagens sou dono do tempo. Praga é uma cidade feita de emoções. Senti que estava em casa, pois assim também sou feito. Dias inesquecíveis marcaram minha paixão por Praga. Eu sabia de sua história, mas não conhecia sua realidade. Cultura, tradição, gente e gastronomia! Uma combinação perfeita.
O melhor dessa viagem foi que eu estava acompanhado de meu irmão mais velho – eu sou o caçula de uma família grande – o Mauro. Uma pessoa que muito me inspirou e ensinou a gostar de música, cinema e literatura de qualidade. Então, fiquei feliz de poder retribuir todo o seu carinho e atenção dedicados a mim, quando criança, viabilizando agora sua ida ao Leste Europeu. Cuidar de quem um dia cuidou da gente é uma ótima forma de escrever uma história de vida. E fazê-lo feliz me ensinou verdadeiramente o que é a felicidade.
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