Wednesday, September 16, 2009

Rinoceronite




O romeno Ionesco utilizou-se de um rinoceronte para escrever uma de suas peças teatrais mais importantes. A deformação da racionalidade, a submissão ao poder e a uniformidade social são temas que delineiam e acentuam sua crítica ao processo de alienação coletiva. Logo a “intelectualidade” o classificou como ícone do teatro do absurdo e interpretou seus escritos como uma leitura amorfa do cotidiano contemporâneo. O espírito animal, a idolatria e o fanatismo superando a natureza humana de uma sociedade. Apenas Bérenger pensa diferente. Não quer ser rinoceronte, mas ser humano. Lutará se necessário for por isso, para continuar humano. Mas ao final o que se percebe é que gostaria de ser como eles. Forte, dominador e líder de uma centena de acometidos de “rinoceronite”. Tudo, enfim, não passa de uma questão de poder, de domínio coletivo.

Lembrei de Eugène Ionesco certa noite, ano passado. O auditório do colégio Marista estava lotado. Mais um debate entre pré-candidatos à prefeitura de Vila Velha iria iniciar em alguns minutos. Eu conhecia bem aquela escola, pois havia estudado ali até o segundo grau e me tornado professor de cursinho logo depois. Até hoje não sei como aceitei, mas incentivado por um grupo de pessoas decidi participar dessas prévias em que seriam apresentadas as idéias dos postulantes ao cargo de prefeito. Naquela noite estávamos eu e Euclério Sampaio, como pré-candidatos. Na platéia uma centena de cargos comissionados e funcionários da própria prefeitura. Alguns convidados se faziam presentes, esparsamente, e uma turma ligada ao Euclério estava bastante ruidosa. Os rinocerontes, no sentido ionesco da palavra, euclerianos. Parecia um jogo de futebol. Torcida organizada e tudo. Max Filho não se fez presente, pois se recuperava de uma cirurgia de septo nasal. Seu pai, sim. Assim como um grande número de pessoas que o reverenciam.

Aprendi a admirar Max Mauro pela sua história de vida, pelos vínculos que nossos pais estabeleceram muito antes e pelo seu intenso amor a Vila Velha. Admirar e respeitar, mas, não necessariamente concordar com ele em tudo. Principalmente quando sua visão pontual se sobrepõe a uma melhor visualização geral e holística. Tem uma trajetória política marcante e significativa e mais do que um político, virou uma marca, um símbolo. Isso é inquestionável.

Naquela noite, Euclério apresentou suas habituais críticas ao Governo do Estado, citando negativamente o governador Paulo Hartung, e reafirmando seu compromisso com o grupo maxista de combatê-lo em sua campanha. A platéia vibrava e fazia estremecer o palco do espaço Marista. A cada crítica, a cada comentário irônico, o público respondia com apupos calorosos. Ficou evidente a importância de se trilhar o caminho da oposição radical e inflexível ao governador atual, principalmente naquele ambiente de rinocerontes - no sentido Ionesco da palavra - maxistas.

Durante todo o tempo Euclério foi elegante e respeitoso comigo, mas naturalmente, jogava para a platéia. Terminada sua fala, reafirmei minha compreensão e certeza de que não seria um opositor radical e inflexível. O bem do município estaria acima de qualquer percepção pessoal, desde que de forma ética e legal. Aprendi a ciência da resiliência. Também, deixei claro e firme que o governo tem vários méritos e merecia elogios em certas decisões. Uma vaia estrondosa me atingiu, assim como olhares e risos irônicos, ferinos e pontiagudos de alguns ali presentes. Eu me lembrei de Bérenger. Bombardeado por perguntas e questionamentos sobre essa minha postura, mantive-me sereno, mas firme em minha convicção. Reagi ao ímpeto de querer ser mais um rinoceronte. Seja maxista, eucleriano ou hartunguista. Optei por ser eu mesmo. Autêntico.

Houve um momento até em que Max Mauro me interpelou e o clima ficou bem mais tenso. Senti que ele estava surpreso e decepcionado com o que eu estava dizendo perante aquele público. Absorvi o golpe, refleti muito em milésimos de minutos e o respeitei como sempre. Procurei lhe dizer, de forma educada, que o admirava, que respeitava e entendia sua colocação. Mas, que discordava totalmente dela. Naquele momento percebi que nunca seria um candidato da “posição” municipal. Não aceitaria distorcer minha razão.

Agora, vejo que Max Mauro e Max Filho reúnem-se com Roberto Jefferson e deixam clara sua estratégia de oposição radical ao Paulo apesar de dizerem que é ao governo. Pura semântica, na minha modesta e frágil percepção. E essa pode ser uma armadilha fatal. Transformar eleições democráticas em uma briga de rinocerontes. Algo que Luiz Paulo tem, até o momento, evitado com maestria.

Defendendo, quando justo, o governador Paulo Hartung em um ambiente como aquele, eu parecia e era um ser estranho àquele ambiente. Muitos não teriam a coragem que tive. A lucidez que tive. Seria mais fácil ceder e receber a palmas da platéia. Optei pelas vaias. Hoje, tenho orgulho dessa decisão. E sempre que posso, revejo o DVD que a registrou.

A democracia torce pelo melhor. A lei dos rinocerontes deve ficar no reino animal. Naturalmente selvagem.

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