Wednesday, August 12, 2009

A evolução do trabalhador



Um dos temas bastante mencionados na mídia local diz respeito ao funcionamento do comércio nos fins de semana e feriados. Trata-se de um assunto apropriado tanto ao país Brasil quanto ao momento econômico e financeiro em que vivemos na economia global. Precisamos de muito trabalho, de muita atividade econômica. De ser uma sociedade dignificada pelo valor do trabalho.

Toda a polêmica dessa questão está no conceito e na importância do trabalho. Aliás, este tem sido alvo de análise há muito anos e belos estudos já foram publicados por Marx, Durkhein, Hanna Arendt e Weber, principalmente. É possível admitir que haja uma convergência entre eles ao considerarem o trabalho como a principal preocupação de uma determinada sociedade. A vida cotidiana, os sentimentos, as interações familiares e outras questões intrínsecas à vida humana são tratadas à margem dessas análises ou enfocadas com uma menor ponderação.

Como propôs Weber, o trabalho em si seria a grande finalidade da vida, assim como o lucro justifica a atividade dos homens de negócios. Entretanto há uma grande percepção, e no Brasil isso assume proporções enormes, de que o trabalho está relacionado ao sofrer ou a vergonha. É como se fosse uma punição trabalhar nos fins de semana ou nos feriados. Para muitos até nos dias de semana. Criou-se uma cultura de que trabalha quem não deu certo na vida. O “esperto” é aquele que coloca alguém para trabalhar por ele. Que vive de “rendas”. Como grande parte dos políticos com suas mordomias. Hoje mesmo vi nos jornais que os deputados estaduais no Espírito Santo vão usar o carro Corolla. Novinhos, com opcionais de bancos de couro e câmbio automático. São 31 automóveis ao custo de mais de R$ 1 milhão por ano. Dinheiro público usado da pior maneira. Transferência de renda de quem anda de ônibus e não tem o que comer direito, nem atendimento médico adequado ou segurança pública necessária, para quem tem ótimo salário e a mordomia de se locomover no ar condicionado, com motorista e gasolina farta.

A origem da palavra nos permite algumas observações. Em latim clássico têm-se tanto laborare, no sentido de executar, como de sofrer, padecer. Também, operare, correspondente a opus, relacionado a trabalho e penalidades. Já em português, trabalho origina-se do latim tripalium, na verdade um instrumento pontiagudo em que se batiam os cereais para processá-los. É possível encontrar também a referência de instrumento de tortura para a mesma palavra. Portanto, há tanto o entendimento da criação, da produção, como da dor e do sofrimento. Para alguns, trabalhar pode ser um prazer, uma forma de conquistar seus ideais e realizar seus desejos. Para outros, um sacrifício.

Para os americanos, há uma distinção entre labor e work. O primeiro diz mais respeito a um esforço físico, um trabalho manual. Já o outro designa uma atividade realizada em busca de dinheiro. Labor, por exemplo, designa o trabalho de parto. É um processo vital. Já o work vincula-se mais a criação de bens materiais, coisas para serem usadas. No francês têm-se a diferença entre travailler e ouvrer; no italiano, lavorare e operare; no espanhol, trabajar e obrar; no alemão, arbeit e werk. Tanto work quanto werk designam melhor a criação de algo, já labor e arbeit dizem mais respeito à exaustão e ao esforço físico de alguém. No campo de auschwitz, estava escrito em seu pórtico: “Arbeit macht frei”. Talvez ousasse dizer que a liberdade passaria pelo sacrifício, pela dor, pela purificação.

É importante observar que só o ser humano realiza trabalho proposital. Os animais, não. Quando se vê uma carroça puxada por um burro e dirigida por uma pessoa, só ela está trabalhando conscientemente, para obter algo. O animal age por instinto. Assim, para Marx, por exemplo, o trabalho pertence exclusivamente ao homem, pela sua intencionalidade. No capitalismo o trabalho está a serviço do modo de produção e passou, no início, de perspectiva de sobrevivência à de acumulação. E essa passa a ser a discussão contemporânea: a cultura do ócio proporcional contrapondo-se à do trabalho intenso.

Entre criativo, auto-realizador e com senso libertário, muitas vezes o trabalho se apresenta como obrigação, alienação e padronização. Só mudando essa percepção os brasileiros saberão decidir bem entre abrir o comércio nos fins de semana ou não.

No comments: