Friday, August 21, 2009

Relações Perigosas



Em minha adolescência, quando iniciei a leitura dos imortais da literatura universal, não dei muita atenção a Laclos, instigante escritor francês. Cheguei a comprar seu livro “As Relações Perigosas”, mas só alguns anos depois o li com mais atenção. Sedução, traição, orgulho, vaidade e intrigas permeiam suas paginas. Desprovidos da tecnologia de hoje, os personagens de sua obra trocavam cartas entre si expondo armações, complôs e articulações promovidas pelo visconde de Vilmond e pela marquesa de Marteuil. Esta, revestida de sede de vingança contra o marido, associa-se a Vilmond para arquitetar e executar seu plano maquiavélico. Uma das frases das cartas que mais chamam a atenção para o momento atual é: Tendo cada um de nós tudo que é preciso para perder o outro, temos igual interesse de nos poupar mutuamente.
Choderlos de Laclos nunca imaginaria, creio eu, que suas palavras representariam tão bem o senado brasileiro e talvez o exercício político brasileiro séculos depois. As relações perigosas existem e se multiplicam e as informações, os comentários e as composições tendenciosas não circulam em forma de cartas, mas de ligações telefônicas de celulares para celulares. E onde existir um sistema chamado Guardião elas são devidamente monitoradas. Watergate pode ser visto como um mero pingo de goteira mal fechada comparado ao que há hoje. Choderlos adoraria estar vivo e ter acesso a essas gravações. Com sua veia literária certamente lançaria a obra prima senatorial. Ou seria sanatorial? Afinal, se um deficiente mental participar do senado sentir-se-á bastante à vontade, ocupando a tribuna para vociferar contra seus oponentes. Louco, sofreria lapso de memória e esqueceria o próprio passado, lancetando palavras de efeito literalmente retardado, um deleite para Sacks. Encontros sigilosos seriam alvo de discórdia e amnésia.
O interessante, em questões como essa, é que, jornalistas ou não, que produzem textos e comentários em forma de noticias, percepções ou análises, ou mesmo debatem determinados assuntos contraditórios, tendem a serem rotulados de alguma forma e passam a ser persona non grata no âmbito do poder constituído. Mais fácil do que respeitar suas opiniões e ampliar o debate parece ser excluí-los do círculo do poder. Exatamente como na obra de Laclos, em que a sedutora Marteuil agregava pessoas como se fossem meros brinquedos, jogando-os fora quando não lhes proporcionava mais diversão. Marinas, Helenas e Mercadantes talvez tivessem bebido dessa fonte e nela teriam se afogado. Tudo isso em uma época que a sociedade estava moralmente destruída, pouco antes da revolução francesa. Títulos de nobreza como visconde, conde e outros adjetivos sociais seriam colocados, indevidamente, em currículos lattes de simples plebeus, pelegos do poder.
Qualquer semelhança com os dias de hoje não é mera aparência. É a pura realidade, com direito a uma madame Tourvel e suas vestes verdes.

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