Saturday, February 07, 2009

O Hamlet de Felini


Certa vez, em Copenhagem, decidi visitar uma cidade próxima, Helsingor, onde há o castelo de Kronborg que inspirou Shakespeare em sua obra prima Hamlet. Não sou profundo conhecedor de sua literatura, mas gosto muito de tudo que dele li. Tramas, tragédias, paixões e enredos sofisticados permeiam seus escritos em um inglês clássico.

Nem esse gênio saberia escrever com tanta dramaticidade e intrigante curiosidade um conto como o da Baosteel, hoje, Bye-steel. Uma tragédia anunciada para uma bela área natural, palco de um dos mais admiráveis cenários costeiros do nosso país, e contada, ao final, de forma tragicômica. No início tudo tão bem divulgado, vantagens e benefícios enaltecidos por vozes oficiais e autoridades representantes do setor produtivo.

Solenidades, coletivas para a imprensa, projeções de atividades econômicas empregadoras e geradoras de receitas públicas fortemente significativas. Uma benesse para aquela região que acomodaria mais unidades industriais reprodutoras de um modelo de oferta de matérias primas e commodities para o mercado mundial processar e nos vender em bens acabados.

A questão ambiental, àqueles momentos, parecia algo menor, insignificante. O progresso seria inexorável. Não se destacou, em meio à festa de captação de investimentos diretos do estrangeiro, a emissão de partículas poluidoras, a necessidade de água ou outros insumos básicos. Tudo parecia ser contornável ou ajustável ao crescimento econômico da região, como outras em nosso país que aceitaram ceder aos ciclos do ouro, da borracha, da cana de açúcar, do café e de outros ativos de baixo valor agregado.

Os economistas trabalham com um conceito muito importante conhecido como “custo de oportunidade”, mas não lembro de ter visto qualquer análise sobre o custo de não utilizar alternativa de investimento na região, qual seja a sua dimensão turística, uma das que mais emprega no mundo e que menos agride ativos ambientais. Ao contrário, os procura conservar para ter um diferencial competitivo.

E lá se foram as caravanas, missões empresariais e governamentais à China, conhecer a sede da indústria investidora. Desembargadores, empresários, autoridades governamentais e jornalistas ouviram mini-palestras, admiraram a culinária diferente, fotografaram lugares turísticos, conheceram um pouco do processo produtivo da empresa e tentaram entender moradores locais e sua percepção sobre o sistema econômico vigente.

Aqui no Espirito Santo, a empresa já havia instalado seu escritório, produzia estudos econômicos e financeiros, contratava pessoas e trabalhava para concretizar seu projeto industrial. Hamlet não tinha duvida: seria. Tudo ia bem no reino da Dinamarca.

Porém, de um golpe só, corta-se a cabeça do Príncipe. Assim, sem o requinte shakespereano, autoridades governamentais anunciam o fim do projeto com argumentos ambientais. Mas, como se assim se pudesse seccionar, só para aquela região. Em área quase contígua em termos de ecossistema, dizem ser possível. Os missionários que lá estiveram sequer tiveram tempo de relatar de forma sistêmica e pública suas percepções, a não ser André Hees. E olhe que para lá eles foram em nome do público. Talvez tenham sido tão surpreendidos quanto nós que aqui ficamos. Nesse caso o reino da Dinamarca não foi Shakespereano, talvez, com restrições, Feliniano.

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