Saturday, February 07, 2009

A Ilha e o Continente



Décadas atrás, fez sucesso no Brasil um livro chamado “A Ilha” de Fernando Morais. Em época de ditadura militar, muitos, imbuídos de um espírito socialista, percorriam suas linhas com ideais libertários. Tratava de algumas reflexões sobre a ilha de Cuba e seu modelo social. A metáfora da ilha geográfica com a da ilha ideológica em razão do embargo norte-americano mexia com corações e mentes. A foto de Korda com Che de boina alimentava essas reflexões em nível global e o próprio Governador Hartung citou esse livro recentemente, ao lembrar de sua militância estudantil. Hoje, tudo indica que Obama tende a eliminar esse bloqueio econômico e inaugurar um diálogo político e comercial.

Tudo isso me veio à lembrança pelos fatos ocorridos no Shopping Vitória. Ali também se tem uma ilha. Uma ilha de prosperidade, multicolorida, de riqueza e elevado comportamento social. Estética em sua paisagem, bem iluminado, peças e artigos elegantes em suas vitrines, pessoas bem vestidas, atendentes maquiadas, alimentos diversos e higienizados, seguranças de ternos e escutas ao ouvido, sem flanelinhas no estacionamento, não se percebe se é tarde ou cedo, se chove ou faz sol. Não se sente calor nem frio. É uma bolha inflável e sorridente.

Em sua grande maioria as pessoas se comportam de forma mais civilizada, sorriem, cedem passagem, acenam para amigos e fazem planos eletrodomésticos. Para Roberto Damata em “A casa e a Rua”, há uma relação intrínseca entre o interno e o externo. Entre a vida privada e a pública. Agora, em minha modesta percepção, há uma relação entre a casa e os shoppings. Este, como uma extensão da casa que não possuem ou do que nela não possuem. Na verdade, então, o shopping, em nosso país, é um cuidadoso processo de exclusão. Como se fosse ilha em que não entram os incômodos do desequilíbrio econômico e social. O sofá velho na sala, a grade na janela, o guarda-roupa desbotado. Acho que alguns até deveriam pedir passaporte, pois é como se viajasse a um país estrangeiro mais rico.

O episódio no shopping foi uma invasão à ilha. O mundo cotidiano, a realidade em preto-e-branco, a sórdida degradação social que vivemos transbordou. Um menino de 11 anos, que tempos atrás estaria feliz e seguro em uma rua, brincando com amigos, não esteve seguro na própria ilha e é atingido. Nessa tenra idade ainda não havia percebido a crítica situação em que vivemos. Não há como culpar a administração do Shopping. Isso é o mais fácil e o que se tem feito sempre. Assim teremos que exigir dezenas de vigilantes, com metralhadoras e granadas para proteger a ilha. Não se trata disso. Essa não será a solução. O caminho crítico está no desequilíbrio social. Buscar, incessantemente, ser um continente. Uno, harmônico e justo.

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