Monday, June 13, 2005

Ode a Neander


Meu caro aluno Neander. Certa vez, Oscar Wilde afirmou que, em assuntos de menor importância, a ficção faz mais sentido que a realidade. O Brasil, sempre foi assim: o país do futuro; o gigante adormecido; o pulmão do mundo; a bola da vez. Pura ficção. A realidade tem se mostrado de forma diferente ao testemunharmos tanta corrupção, insegurança, políticas severinas e outras mazelas. Ouso dizer que o Espírito Santo também. É muita ficção: o futuro é brilhante; o petróleo será a nossa redenção, o governo vencerá o crime organizado; investidores estrangeiros estão elegendo o nosso estado para seus investimentos pois “A Hora é Essa”. Sinto muito, Neander, mas, na verdade, o que temos é muita realidade sombria. Transporte público insuficiente; escolas e educação insuficientes, moradia e saneamento insuficientes; e segurança inexistente. Você, amigo, foi vítima disso, da realidade cruel e insana. Em nome da ficção cursava Engenharia do Petróleo, o futuro promissor. Segundo seus professores, aluno educado, assíduo e tranqüilo. Em nome da realidade, estava longe de seus pais, pois as escolas de ensino superior e os empregos estão concentrados nas capitais e nas cidades de maior porte. Lombroso tem errado muito. Os marginais, homicidas, seqüestradores e outros delinqüentes não tem um traço físico comum. Podem ser qualquer um: porteiros, vendedoras...Você não poderia ter desconfiado de algum deles. Tem a aparência e se vestem como cidadãos comuns. Estão em qualquer lugar. Você não estava em uma favela, tarde da noite; nem em um ambiente promíscuo ou lugares perigosos. Você estava saindo de uma instituição de ensino superior, à luz do dia. Você estava se preparando para o futuro, a ficção, e foi atingido, covarde e cruelmente, pela realidade. Ao saber do que aconteceu a você sinto a angústia do silêncio, da conformação, da resignação. Não podemos ficar calados. Não podemos fingir que tudo está bem. Isto é a ficção e, como disse Wilde, ela só faz mais sentido em casos de menor importância. Nosso caso é de extrema importância. Afastem de nós esse Cale-se. Unamos nossas vozes e atos, de forma cidadã, educada e organizada para dizer que basta. Cansamos da ficção. Queremos mais e melhor realidade. Queremos estudar, trabalhar e conviver com as pessoas. Queremos ser gente, não animais assustados e enjaulados. Queremos a liberdade de ir e vir. A liberdade que você não teve.
Você nos deixou, Neander. Ficamos aqui, indefesos, assustados, encasulados, individualizados, com medo do próximo assalto, do próximo seqüestro, de ser a próxima vítima. Até quando ?

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