Tuesday, February 11, 2014

Santiago Andrade



Michelangelo era um gênio talentoso e sublime. E usou a sua nobre arte para pintar a cúpula da Capela Sistina, na Basílica São Pedro, em Roma. Certo dia, dependurado nos andaimes e engrenagens que lhe sustentavam, fim de uma tarde outonal, lembrou-se da relatada amizade e do fervoroso trabalho evangelizador de Pedro e seu amigo Tiago. Lançou as mãos sobre um velho e predileto pincel, misturou as tintas para obter o tom certo e sutilmente representou São Tiago, em forma de águia. O mesmo Tiago que deu nome a internacionalmente conhecida cidade de Santiago de Compostela e que é reconhecido por muitos como o primeiro mártir entre os apóstolos de Cristo. Certo dia, ele enfrentou a ira de Herodes e foi executado. Sua vida terrena feneceu e ele voou como a águia de Michelangelo.

Essas imagens me vieram à mente quando li sobre a morte de Santiago, o jornalista. Pois, de certo modo, é possível perceber Tiago, o apóstolo, como um jornalista de seu tempo, já que exercia o ofício da comunicação, da reflexão sobre a realidade e manifestava ideias propositivas, sujeito a admiradores e críticos. Tinha seus ideais, lutava por eles, debatia com antagonistas e escrevia, produzia conhecimento em cima do que convivia. Por exemplo, traduziu suas visões e analisou mistérios em seu “Livro do Apocalipse ou Revelação”, como que predizendo as tribulações da Igreja e antevendo seu destino final.

Santiago, o jornalista, registrava as tribulações da sociedade contemporânea e pelo ofício da comunicação promovia reflexões sobre sua realidade, seus desafios e suscitava debates sobre que caminhos percorrer para torna-la melhor e mais justa. Como Tiago, o apóstolo, Santiago não era um fim em si, mas um meio. Um meio de comunicação jornalística. Um provedor de fatos do cotidiano, correndo o risco de ser vítima desse cotidiano. Como correu, séculos atrás, Tiago, ao evangelizar. Este foi vítima da ira de Herodes, o soberano responsável por sua execução. E Santiago, o jornalista? De qual ira ele foi vítima? Quem é o responsável por sua execução? Lamento dizer, mas a resposta somos nós, a sociedade. Uma sociedade que se diz organizada e civilizada. Algo que Tiago, o apóstolo, não poderia dizer quando sua vida lhe foi retirada arbitrariamente.

Michelangelo não perenizou Santiago, o jornalista, no mais belo dos afrescos religiosos, situado no Vaticano. Ele será, infelizmente, perenizado pelas imagens da barbárie que lhe ceifou a vida. Imagens que ficarão na memória de seus colegas de profissão, sua família e do jornalismo brasileiro. Ele, Santiago, era um gerador de imagens. Hoje, é só imagem.

 

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