Michelangelo era um gênio talentoso e sublime. E
usou a sua nobre arte para pintar a cúpula da Capela Sistina, na Basílica São
Pedro, em Roma. Certo dia, dependurado nos andaimes e engrenagens que lhe
sustentavam, fim de uma tarde outonal, lembrou-se da relatada amizade e do
fervoroso trabalho evangelizador de Pedro e seu amigo Tiago. Lançou as mãos
sobre um velho e predileto pincel, misturou as tintas para obter o tom certo e
sutilmente representou São Tiago, em forma de águia. O mesmo Tiago que deu nome
a internacionalmente conhecida cidade de Santiago de Compostela e que é
reconhecido por muitos como o primeiro mártir entre os apóstolos de Cristo.
Certo dia, ele enfrentou a ira de Herodes e foi executado. Sua vida terrena
feneceu e ele voou como a águia de Michelangelo.
Essas imagens me vieram à mente quando li sobre a
morte de Santiago, o jornalista. Pois, de certo modo, é possível perceber
Tiago, o apóstolo, como um jornalista de seu tempo, já que exercia o
ofício da comunicação, da reflexão sobre a realidade e manifestava ideias
propositivas, sujeito a admiradores e críticos. Tinha seus ideais, lutava por
eles, debatia com antagonistas e escrevia, produzia conhecimento em cima do que
convivia. Por exemplo, traduziu suas visões e analisou mistérios em seu “Livro
do Apocalipse ou Revelação”, como que predizendo as tribulações da Igreja e
antevendo seu destino final.
Santiago, o jornalista, registrava as tribulações
da sociedade contemporânea e pelo ofício da comunicação promovia reflexões
sobre sua realidade, seus desafios e suscitava debates sobre que caminhos
percorrer para torna-la melhor e mais justa. Como Tiago, o apóstolo, Santiago
não era um fim em si, mas um meio. Um meio de comunicação jornalística. Um
provedor de fatos do cotidiano, correndo o risco de ser vítima desse cotidiano.
Como correu, séculos atrás, Tiago, ao evangelizar. Este foi vítima da ira de
Herodes, o soberano responsável por sua execução. E Santiago, o jornalista? De
qual ira ele foi vítima? Quem é o responsável por sua execução? Lamento dizer,
mas a resposta somos nós, a sociedade. Uma sociedade que se diz organizada e
civilizada. Algo que Tiago, o apóstolo,
não poderia dizer quando sua vida lhe foi retirada arbitrariamente.
Michelangelo não perenizou Santiago, o
jornalista, no mais belo dos afrescos religiosos, situado no Vaticano. Ele
será, infelizmente, perenizado pelas imagens da barbárie que lhe ceifou a vida.
Imagens que ficarão na memória de seus colegas de profissão, sua família e do
jornalismo brasileiro. Ele, Santiago, era um gerador de imagens. Hoje, é só
imagem.
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