Eu estava lendo um
texto sobre preconceitos e racismo entre os seres humanos e me vi pensando em
uma fábula. Nela havia um trem. O trem das cores. Pensei assim porque lembrei
de uma musica de Caetano, muito bonita tanto em melodia como em letra. Sugeria uma
bela viagem entre Rio e São Paulo. Então, imaginei um trem com alguns vagões,
avançando em direção ao futuro, como se fosse uma viagem da nova Arca de Noé. O
interessante é que seus vagões eram pintados em diferentes cores. Era um trem
multicolorido, bem bonito. Mas logo seus passageiros, na plataforma de
embarque, criaram argumentos esdrúxulos para não entrar em determinados vagões
devido a cor que possuíam. Vejam só que coisa estranha.
Alguns não queriam de
maneira alguma entrar no vagão rosa, pois diziam que essa era a cor dos
homossexuais, dos gays como é comum se ouvir no cotidiano. Não desejavam ferir
sua reputação de macho ou fêmea tradicional, conservadora. Ainda que alguns, na
verdade, estivessem no armário, indecisos. O importante era a aparência. Os
chamados “pegadores” eram os mais agitados. Outros, malhados e musculosos,
também. Ainda bem que o vagão lotou, pois os assumidos fizeram a festa, com
entradas triunfais e pomposas, ao som de “I will survive”.
Outros, não queriam
entrar no vagão branco, pois eram guerreiros e essa cor lhes lembrava a paz. O
que importava para eles era plantar sementes de discórdia, espalhar boatos e
atritos falaciosos para criar um clima de desavenças e guerras. Eram
fabricantes de armas e não se sentiriam bem naquele vagão que preconizava a
harmonia e a paz. Ali era o vagão da diplomacia, do diálogo e do convencimento.
Diziam que não tinha nada a ver com eles.
Alguns faziam um
manifesto em frente do vagão verde, pois o imaginavam destinado aos otimistas e
eram profetas do apocalipse. Gostavam de fazer previsões terríveis como a
chegada do fim do mundo, o apocalipse e o fim da humanidade pela miséria e pela
fome. Acreditavam que naquele vagão deveriam entrar os bajuladores e aqueles
esperançosos que a humanidade melhoraria com o tempo. Eles, nefastos, não.
Um vagão que chamou a
atenção de todos pelo alvoroço em seu redor foi o vagão de cor laranja,
destinado aos políticos. Desciam de seus carros reluzentes com seus ternos
resplandecentes e logo reclamavam daquela simpática cor, tão bem pintadinha.
Diziam que eram honestos e que não admitiam o ultraje de serem confundidos com
os desonestos politicos-laranjas.
Que eram homens de bem e representavam muito bem o nosso povo sofrido. Diziam
que suas honestidades estavam certificadas pelos Tribunais de Contas. E que
existiam apenas para servir ao povo, nunca em benefício próprio.
Vários passageiros
recusavam-se a entrar no vagão de cor vermelha, pois eram pacifistas e essa cor
os lembrava do sangue derramado nas atitudes violentas do cotidiano, nas
atividades terroristas e nas guerras entre países. Essa cor os assustava. Para
os mais radicais lembrava as veias abertas da América Latina ou os dias de
tortura na luta contra a ditadura em seus países. Não usavam canhões, mas
flores.
Também havia
passageiros com receio de entrar no vagão de cor preta. Isso lhes parecia sinal
de tristeza e eram muito alegres. Alem disso, havia outros para os quais o
preto parecia representar algo inferior. Eram pessoas de pele nívea, branca
como a espuma do mar e não se sentiriam bem ao lado de pessoas de cor negra,
que supunham ir naturalmente para aquele vagão.
Mas havia um vagão que
causou uma estrondosa polêmica. Ele era todo marrom e destinado aos jornalistas
que cobririam a viagem com suas reportagens. Alguns jornalistas redigiram
textos, escreveram manifestos e sentiram-se ultrajados ao serem convidados para
nele entrar. Afinal, eles entendiam que o maquinista estaria dizendo que o
jornalismo que eles praticavam era marrom. Ou, no entender deles, desonesto. E
foi um debate exaustivo e prolixo. Desnecessário, pois o maquinista, na
verdade, tinha escolhido o marrom apenas por economia. Queria pintá-lo de
amarelo, mas como essa cor era mais cara resolveu usar o marrom. Piorou. Foi
exatamente isso que aconteceu no meio jornalístico tempos atrás e o argumento
do amarelo que virou marrom não foi bem aceito, por mais que se explicasse. Os
jornalistas mais experientes e que conheciam o maquinista nem perceberam que o
vagão era marrom e os que perceberam não associaram a cor a uma suposta
depreciação do trabalho jornalístico. Os aborrecidos ficaram na estação
com cara e palavras de desagravo.
Pois bem. O trem
seguiu viagem com seus passageiros em direção ao futuro e os contrariados
ficaram na estação. Cada um com seu preconceito. E cada um pensando que tinha
razão. O maquinista quis apenas usar cores para construir um belo trem das
cores, mas causou polêmicas. E revelações de preconceitos como um cubo mágico
difícil de harmonizar.
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