Tuesday, July 05, 2011

Visões do Convento

Qualquer relatório que contenha os clássicos do cinema mundial não pode abrir mão de consignar o belo trabalho de René Clement em “O Sol por Testemunha”. Quando atravesso a Terceira Ponte, indo ou vindo, eu lembro esse filme ao ver o Convento da Penha. Esse ícone capixaba é testemunha secular da desfiguração do município de Vila Velha. Já viu modificações impostas pela natureza como a grande enchente dos anos 1960 e pela própria iniciativa humana ao abrigar em sua mata a poluição de partículas sólidas levadas pelo vento nordeste que sopra balançando suas folhagens. Do alto, o Convento acompanhou também as angústias dos capixabas no período das grandes guerras mundiais quando junto com seu vizinho, o Morro do Moreno, servia de vigia do movimento de embarcações militares na belíssima costa marinha à sua frente. Com visão privilegiada da baía de Vitória os dois estavam preparados para, com o apoio de moradores, avisar sobre possíveis ameaças estrangeiras. Mesmo com toda sua altura ouvia a dor dos enfermos que o procuravam em suas preces fazendo com que mais tarde fosse depositário de placas e mensagens de agradecimento por milagres concedidos.
Presenciou muita coisa. Muita construção e destruição. Nada, porém, o deve ter incomodado tanto quanto a desfiguração da região da Praia da Costa bem à sua frente, especialmente muito próximo ao manto natural que cobre as encostas e os pés do Morro do Moreno. Ao longo da Avenida Gil Veloso viu surgir prédios altíssimos para uma rua estreita junto à praia. Antes via os banhistas se divertindo, hoje nem as areias são abençoadas pelo seu olhar. Ao descer da Terceira Ponte é possível ter uma visão parecida com a dele: um bloco ininterrupto e indevassável de concreto ao longo da faixa litorânea. O mais fácil é culpar prefeitos e legisladores, mas é preciso também incluir nessa culpabilidade a ganância imobiliária que se valeu de artifícios legais para assim construí-los. É possível que alguns tenham se utilizado da autorização para construção de apart-hotéis, com permissão para uma altura maior, um gabarito mais alto, e na verdade construído apartamentos residenciais. Depois, movido moinhos para conseguir o habite-se para essa finalidade. Parece ter havido um conluio entre quem construiu e quem comprou sabendo dessa irregularidade.
Uma percepção de lucro fácil e imediatista transfigurou aquela região. Entendiam que isso era sinônimo de progresso. Agora, os jornais noticiam uma nova e potencial transfiguração. O vetor de ocupação industrial da área rural, do cinturão verde que ainda vigora no município canela verde, um dos poucos existentes entre Vitória e Vila Velha. E lá está o Convento a contemplar essa investida. Já viu o sítio histórico da Prainha ser destruído e descaracterizado. A gruta de frei Palácios e a entrada pela ladeira antiga virarem local de estacionamento. O convento está sempre ali, vendo a cidade que a cada dia que passa menos o enxerga. Uma cidade que abre mão de seus encantos naturais para seguir em busca da artificialidade de um processo industrial. Que se insere em um contexto turístico estadual que vive de eventos comerciais, algumas feiras e rodadas de negócios que não duram sequer o tempo necessário para dinamizar sua cadeia produtiva. Recebemos homens e mulheres de negócios que chegam com a passagem marcada para o mesmo dia ou o dia seguinte ao fim do evento.
Que Nossa Senhora, do alto do penhasco, nos ilumine e proteja dos mal aventurados.

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