Monday, June 13, 2011
Desumanização do Trânsito
Lynda e Neliane tinham muitos projetos de vida. Eu não as conheci, mas pessoas com suas idades sempre têm sonhos e metas que traduzem o futuro. Viktor Frankel certa vez escreveu que é isso que dá sentido a nossa existência. Que nos faz amar as pessoas, cultivar nossas famílias e aprender sobre a vida, a ciência da vida. Sobre o amor, sobre o amar e conviver. A arte de conviver é um caminho precioso ladrilhado com pedrinhas de brilhante para o verdadeiro amor passar, diz a canção de nosso folclore. Como jovens buscam a presença de outros jovens para se divertirem, para celebrar a amizade, o amor ou mesmo a simples razão de existir enquanto ser humano. Deve ter sido assim na UFES. Uma ode à alegria. Universitários têm essa verve. Celebram bastante, debatem bastante, são apaixonados por causas e comemorações. Fazem movimentos contestatórios. La jeneusse, diriam os franceses. Mas, sobretudo, celebram a vida. A mesma que foi tirada inapelavelmente dessas duas jovens.
Podemos concentrar nossa indignação contra um motorista. Aquele que as atingiu. Mas é a justiça que o julgará. Nossa indignação deve se posicionar contra a gestão pública, também. É ela quem prioriza os veículos, os carros e caminhões. Eles têm faixas especiais, têm estacionamentos, têm viadutos, têm pontes, túneis, avenidas largas. Aos pedestres, calçadas estreitas, passarelas inexistentes, sinais de trânsito com infinitésimos de tempo, abrigos para chuva inexistentes e ausência de ciclovias. A prioridade é o automóvel. E gastamos muito dinheiro e tempo pra solucionar seus gargalos. Desapropriações alargam ruas, viadutos são construídos, IPIs reduzidos, pontes exclusivas para eles (terceira ponte) são construídas e estacionamentos ocupam espaços amplos nas vias públicas. O pedestre, o ser humano, que se vire. Ele tem que arranjar suas próprias soluções. E correr riscos. Às vezes fatais como o de Lynda e Neliane, vítimas dessa priorização errônea.
É preciso mudar isso. Humanizar as cidades, permitir o transito seguro de pessoas, que seus sonhos circulem pela alegria de uma festa, pela formalidade de uma aula ou pela tristeza de uma frustração com o setor público. As autoridades públicas, por longos anos, passaram a responsabilidade da locomoção para o âmbito pessoal. Compre seu carro, nós damos as vias de trânsito, dizem. E veio o caos. As pessoas se endividaram ao comprar carros e o governo não supriu as vias, hoje congestionadas com cada um em seu carro. Não investiu em transporte de massa e na humanização do trânsito. Esses, os sem carro, ficaram à mercê de um motorista apressado, ou desatento, ou inábil. Ou até mesmo embriagado. Neliane amava o esporte, um exemplo para os jovens. Lynda, pelo que foi divulgado, passou no concurso do Ministério Público, que deveria ser um exemplo para os jovens, também. Para um futuro melhor desse nosso país, ambas farão muita falta. Para os pais, familiares e amigos, estarão sempre presentes na memória dos sonhos que lhes deram sentido à vida.
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