Saturday, March 20, 2010

Interesses e Verdades


Fatos recentes nos remetem ao vocábulo Ibsen, chamativo de alguém, como nome próprio. No final do século IX o norueguês Henrik Ibsen destacou-se no campo da literatura. O dramaturgo escreveu vários livros e um dos famosos é “Casa de Bonecas” um libelo feminista. Mas, também um interessante livro, “O Inimigo do Povo”, em que comenta a miséria moral observando o conflito entre o interesse público e a verdade dos fatos. Isso por volta de 1882. Outro Ibsen, brasileiro, 110 anos depois, presidiu a Câmara dos Deputados e conduziu o impeachment do Presidente Collor. Foi visto como amigo do povo. Agora em 2010, é percebido como inimigo do povo dos Estados produtores de petróleo e, talvez, amigo dos Estados não produtores.
Um século depois da obra de Henrik parece que a miséria moral ainda persiste. As pessoas, inclusive enquanto autoridades públicas estão em busca de seus próprios interesses. Não há uma convergência para o pacto federativo. Os norte-americanos também tiveram suas dificuldades federativas. Tinham Lincoln para resolvê-las. O nosso presidente parece estar mais preocupado com a questão da paz no oriente médio, com a questão nuclear do Irã, com a saúde de Fidel, com a constitucionalidade de Zelaya e o nacionalismo de Chaves. Com o devido e merecido respeito à Presidência da República, ela parece estar muito distante da questão do petróleo brasileiro. “O Congresso que resolva o problema”, disse ele. “Eu já fiz a minha parte”, acrescentou.
Em meu entendimento a idéia do Deputado Ibsen é inconseqüente e até permite entender que seja imatura. Tem vícios jurídicos e econômicos de primeira grandeza. Mas, levanta uma incômoda questão distributiva. Sabe-se, em economia, que as nações têm quatro desafios claros: obter a estabilidade dos preços, o melhor nível de emprego, o crescimento econômico e a distribuição dessa riqueza. A fragilidade desse último desafio veio à tona. Emergiu da proposta do nobre Deputado a disparidade entre as receitas atuais. Como Ibsen, o dramaturgo, pensou, o tema contemporâneo expôs a verdade. Restringindo-se à Grande Vitória, como é possível que em área tão conurbada como Vitória, Vila Velha, Viana, Serra e Cariacica haja tanta desigualdade entre receitas da atividade petrolífera?
Pelos dados disponíveis, percebe-se que Serra recebe quase 20 vezes o que Viana aufere; e quase dez vezes o que é consignado a Cariacica. Vitória, que se liga a Vila Velha por uma ponte, tem o dobro da receita desse município. A capital do Estado, que é uma ilha, recebe mais que Viana, Cariacica e Vila Velha juntos, sendo que esses precisam de muitos investimentos em infra-estrutura. Se analisarmos a questão entre municípios litorâneos e interioranos percebe-se que Presidente Kennedy recebe 114 vezes o que recebe Divino de São Lourenço. Parece que Ibsen, o Deputado ruim de tiro, mirou o pombo e acertou o pombal inteiro. Já aquele outro Ibsen, o norueguês, parou de escrever a muito tempo. A miséria moral, entretanto, continua produzindo intrigantes peças teatrais, como a que protagoniza o Governo do Rio, com fechamento de vias públicas federais com dinheiro público, passeatas em que os órgãos públicos liberaram seus funcionários (ou seja, isso é gasto público) e envolvimento do impávido colosso Redentor na trincheira da guerra federativa. Agora parece que além dos sem-terra, sem saúde, sem-moradia, sem-segurança, sem universidades e sem-cidadania, tem-se os sem-royalties: Rio e Espírito Santo. Esses movimentos, pertinentes ou não, representam a degeneração do Estado de Direito, do mau uso de verbas públicas e da descaracterização da democracia representativa. Alguns Deputados e Senadores deveriam ter sido mais bem escolhidos e assim teriam poupado gastos públicos indevidos, o desgaste federativo e a mobilização de neófitos, ou neobobos, segundo o neologismo criado por FHC.

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