
Depois da Segunda Grande Guerra, o mundo se viu dividido em Capitalismo, mais vinculado às direitas, e o Socialismo-Comunismo, mais vinculado às esquerdas. Havia uma dicotomia nítida: a direita que pouco priorizava os direitos humanos e a igualdade social, e a esquerda que pouco priorizava a competição e a ambição individual. Vários países se destacaram nessa dualidade, seja mais para um lado ou mais para o outro. O equilíbrio praticamente nunca existiu. A Guerra Fria, que se estendeu dos anos 50 ao final dos anos 80, com a queda do muro de Berlim, tinha como fronteiras o frio da Sibéria e o alijamento legal dos direitos sociais. O sofrimento da prisão ou a angústia e a humilhação da segregação. O primeiro está bem comentado em “O Arquipélago Gulag” de Soljenitsin, e o segundo na música folk norte-americana.
A tragédia americana do norte acentua-se com a crise da bolsa de valores em 1929, quando o retrato da pobreza e da exclusão se destaca na galeria de fotos da riqueza e da opulência. Woodie Guthrie e mais tarde Leadbelly, um branco e outro negro, destilam os infortúnios da vida desigual na maior nação do mundo. Dos anos 40 aos anos 60, o blues, as canções rurais e as histórias tristes do cotidiano duro, traduziam em poucas notas musicais a necessidade de mudanças. Havia negros e havia brancos, divididos em direitos sociais. Um era mais cidadão que o outro. Nas rodoviárias havia um espaço para os negros (colored people) esperarem os ônibus em separado. Nos restaurantes, lojas e instituições públicas também imperava a nítida divisão.
Então, a música que os representava, seja em forma de sofrimento ou sonhos, era considerada “lefty”, de esquerda. Comunista, a partir do senador McArthy. Pete Seeger, Hank Willians e, já nos anos 60, o fenômeno Bob Dylan. Quatro ou cinco acordes sustentavam uma inconformidade revelada corajosamente por Martin Luther King, principalmente. O Congresso, utilizando os meios de comunicação subservientes, atacava esse movimento sugerindo aos pais que afastassem seus filhos dessa onda socialista. No sul dos EUA a situação era mais grave, com a Ku Klux Kan e governadores como George Wallace. Ray Charles, por exemplo, ficou impedido de se apresentar na Geórgia por longos e sofridos anos. O filho bem sucedido impedido de cantar onde nasceu. Entre os músicos nunca houve segregação racial. Entre os empresários e ouvintes, sim.
Só mais tarde isso melhorou bastante, no sentido de abolir oficialmente esse apartheid. Os negros puderam freqüentar escolas e universidades como seus vizinhos brancos e construir suas carreiras profissionais em igualdade de condições. Muitos venceram e hoje são bem sucedidos profissionais liberais, comerciantes, empresários, juizes da Suprema Corte e, agora, Presidente da República. Inocente aquele que acha que isso não incomoda uma parte significativa da sociedade norte-americana, ainda. As políticas públicas de natureza mais protetora dos excluídos, de universalização do acesso à saúde, de valorização da cultura negra e de suas raízes africanas, de minimização dos impactos sociais de um mercado dominante e ambicioso começam a expor movimentos supostamente vencidos. E, nos últimos dias, os republicanos chegam às mídias com a tese de combate a socialização da economia e da vida americana. Senadores disparam seus discursos e suas mobilizações políticas contra o presidente Obama.
O argumento tem como pilar de sustentação o aumento de decisões socialistas na Casa Branca. O risco do retrocesso é muito grande. Hoje interessados em conhecer outras culturas, os americanos sempre viveram em um casulo auto-suficiente, isolados de outras experiências de gestão pública. Felizmente isso tem mudado e de forma considerável. Mas, ainda há um imenso numero de cidadãos que tem medo da sombra do socialismo. E pavor do comunismo. Isso pode ser uma forte onda para os políticos conservadores surfarem e chegarem à praia da desestabilização do governo atual. A luta pelos direitos humanos chegou ao ápice com a vitória de Obama. Mas a batalha ainda é árdua. Woodie, Leadbelly e Hank morreram. Dylan está envelhecido. Mas, suas músicas precisam ecoar novamente. O vento da mudança não pode parar de soprar.
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