Monday, July 20, 2009

Lula, Adriano e Bergson




Apesar da convergência midiática que construiu com Ronaldo, o fenômeno, o presidente Lula, o camaleônico, me faz pensar em Adriano. Não o imperador romano tão bem reconstruído por Marguerite Yourcenar em seu livro “Memórias de Adriano”. Mas, no atacante rubro-negro que retorna aos gramados nacionais. Os dois, Lula e Adriano, têm uma trajetória de vida memorável e vitoriosa. Ambos vieram da base da pirâmide social que caracteriza o nosso país há longos anos. De famílias pobres e humildes, enfrentaram inúmeras dificuldades em suas infâncias e adolescências, cada um a seu jeito, cada um em seu lugar. Pais, irmãos, amigos, parentes e conhecidos configuraram um ambiente social que marcou suas vidas.
No caso do presidente, um ambiente que traduz a luta incessante por dias melhores e a saga nordestina de superar suas adversidades, de vencer as hostilidades climáticas e políticas sempre existentes. De uma infância dura, quase que miserável, passou a uma adolescência desafiadora; do calor nordestino à garoa e ao frio paulistano; da proteção da mãe atenta, aos riscos da lei do mais forte. Da inocência política no nordeste ao envolvimento com a classe trabalhadora, ao enfrentamento das forças capitalistas que, em sua percepção e do grupo que o acompanhava, prejudicavam os trabalhadores brasileiros. Aquele garoto um dia faminto agora era corintiano, um eloqüente orador contra as oligarquias representadas por Sarney e, também, ativo protagonista das forças que lutavam contra Collor de Melo, celebrando sua queda. Nesse período constituiu suas amizades, seus companheiros de luta, seus princípios e valores sociais e morais.
Adriano, por sua vez, soltava pipa na favela em que nasceu e se criou. Vida dura, mas vida carioca. Pelada de futebol no campinho apertado, bolinha de gude nas vielas poligonais e no domingo uma descidinha até a praia onde alem das garotas de Ipanema desfilavam os jogadores de futebol bem sucedidos. Ali conheceu seus amigos e parentes e constituiu seus princípios e valores sociais e morais. Logo cedo se apaixonou pelo Flamengo e ainda pequeno tentava repetir nos campos de terra batida as jogadas da grama verdinha do Maracanã que ouvira no rádio de alguém. No Rio era ruim não ter dinheiro, mas, diferentemente do Nordeste, era possível contemplar o dinheiro pelo glamour da cidade, pela riqueza do carnaval na Sapucaí e pela Rede Globo, então essencialmente carioca. Era possível pedir esmolas porque havia a quem pedir. Conseguir um “trampo”, como lavar um carro ou vender coisas na praia, era algo possível também. Enquanto para os nordestinos como Lula a chance era ir para São Paulo, para os cariocas como Adriano, a chance estava em uma escolinha de futebol. Esse foi o caminho que Adriano trilhou e que o levou a Itália.
Para Bergson, filósofo e intelectual francês, é bem mais difícil substituir uma imagem no inconsciente de uma pessoa do que colocá-la. Portanto, em tese, a nossa formação nos remeteria às nossas origens algum dia ainda que distante e mesmo depois de dezenas de imagens sucessivas. Seria algo intuitivo. Recentemente Adriano causou espanto e surpresa quando, já realizado financeira e profissionalmente, largou o imponente futebol italiano e veio curtir a favela onde nasceu e se criou. Largou o convívio com autoridades esportivas, empresários gananciosos e políticos de reluzentes e engomados cabelos oficiais. Para muitos estava desorientado, para outros apenas lembrava o autor francês. Quis rever as origens, sentir-se entre os seus amigos e colegas de ideais e sonhos.
Já o nosso presidente destituiu Bergson. Pelas suas atitudes recentes é possível entender que renega seu passado de luta e o compromisso com seus antigos companheiros de batalhas e ideais. Elogiar José Sarney e escolhê-lo como seu fiel escudeiro no senado; reverenciar Collor como se não houvesse participado lastimavelmente da História recente do Brasil; pactuar com Renan Calheiros como se ele fosse parte daqueles que lutaram ao seu lado pelas causas sociais e renegar a democracia imparcial ao assumir uma candidatura oficial como projeto de poder o afastam de suas origens. Essas três personalidades em nada contribuíram por um Nordeste melhor. Ao contrário, o usaram politicamente. Outrora crítico daqueles que distribuíam filtros de água e ligadura de trompas para conseguir votos, hoje sabe e parece aceitar o uso do programa bolsa-família para os mesmos fins. Pelas notícias recentes parece que também destituiu a UNE – União Nacional dos Estudantes que se antes inspirava Chico Buarque hoje nem programa de auditório. Algo simples para alguém que permite entender que solapou o movimento sindical, o Partido dos Trabalhadores - PT e os ideais de uma geração inesquecível. Com todo o respeito ao presidente, espera-se dele, em nível internacional, muito mais do que ser “o cara” para Obama e, em nível nacional, mais do que protetor de Sarney e admirador de Collor. Lula e Adriano, uma divergência lastimável.

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