Sunday, September 19, 2010

Dom Quixote cubano


Dias atrás fazia uma bela tarde de verão na Pullman Square em Huntington, USA. Eu e minha filha que estuda na Marshall University resolvemos entrar em uma livraria. Deparei-me com um livro sobre o uso da imagem de Che Guevara. Revolucionário e ícone, diz o título da obra de Trisha Ziff. Sim, Che conseguiu ser os dois. Fidel, não. O que lhe faltou foi o espírito da busca pela liberdade, pelo direito de expressão. Optou por aprisionar o povo que liderou em nome da revolução cubana. Com a melhor das intenções, mas com uma frágil estratégia: blindar pela opressão o contato com o capitalismo norte-americano. Aquele era o momento em que Kennedy criava a Aliança para o Progresso na América Latina e Fidel prometia progresso sem essa aliança - com forte presença do mercado - mas com outra, com forte presença do Estado.
Che, um homem de princípios; Fidel, de valores. O argentino vive porque morreu por princípios e o cubano “morreu” por que vive a sustentar valores extemporâneos. O tempo foi implacável e desmontou sua estratégia. Não é uma frase isolada que confirma isso, mas a dinâmica das relações internacionais entre os países. Che percebia a importância do mercado competitivo: foi às fazendas, dirigiu tratores, cortou cana e motivou a população nesse sentido de vida. Fidel ateve-se aos gabinetes enfumaçados por seus charutos e aos discursos emocionados de poucos impactos na geração de empregos e renda. Como Dom Quixote, lutou contra moinhos de vento.
Che tem razão em muito do que disse: a América Latina continua pobre e desigual em relação ao seu potencial. Fidel perdeu a razão em quase tudo que disse ao longo do tempo. Contaminou seus valores com amizades no mínimo questionáveis em termos de estadistas e não restabeleceu a democracia, o leit motiv de sua caminhada histórica por Sierra Maestra. Optou por um vigoroso fortalecimento do Estado para impor um modelo centralizador e decisor. Isso é muito perigoso. Quando essa mesma possibilidade apareceu após a primeira guerra mundial, surgiram os estados totalitários e ditadores como Hitler, Mussolini e Franco. Foi preciso haver a segunda guerra mundial para romper essa percepção de progresso.
Mesmo assim, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ainda conseguiu seduzir pessoas que viam no Estado a obtenção da estabilidade econômica e da justiça social. Ruiu, deixando um rastro de instabilidade e injustiças. Sob o fogo amigo de Krushev, Stalin foi desmoralizado. Fidel seguiu em frente, mas agora vem dizer – e depois desdizer - que o modelo cubano não serve mais. Ora, ele não tem que dizer isso ou demitir dezenas de pessoas. Tem que convocar eleições democráticas. Promover a anistia ampla e irrestrita e deixar a liberdade se manifestar, decidir. Che foi um antiimperialista que tentou erguer um império. Fidel, um antiimperialista que concebeu um feudo. Que, pela vida contemporânea, é quase medieval.

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