Inventado pelos ingleses, o futebol verdadeiramente expressou sua arte em pés e gramados brasileiros. Para ser mais justo, na América do Sul. O Uruguai com a raça, a Argentina com a malícia e o Brasil com a criatividade, a imprevisibilidade e a astúcia. Desde a década de 1950, principalmente, essa condição atlética se manifestou com destaques incontestáveis como Pelé, Garrincha e Maradona. Muitos outros também lapidaram a bola no formato artístico que conduz ao gol. A antologia do futebol mundial tem registros dessas considerações a respeito da qualidade do futebol da América do Sul. Diz o folclore irônico que o brasileiro aprendeu a lançar bem a bola, mais de 30 metros à frente, para não precisar correr tanto. O vértice da preguiça conjugado ao da insolência pela não valorização de matemáticos esquemas táticos. É possível até dizer que prevaleceu o senso do individualismo, do peladeiro de rua, em relação ao senso do coletivo.
Para os leigos da ciência esportiva parece ter sido assim que o Brasil ganhou as copas de 1958, 1962 e 1970. Vai lá, joga para o Pelé. Ele sabe o que faz. Ou manda para o Mané. Ele vai cruzar e vai ser gol. Pênalti é assunto de importância e quem deveria bater era o presidente do clube. Precisa treinar muito não, pois já é meio gol. Quando Cláudio Coutinho apareceu com modernos métodos de preparação física, com bases estatísticas, os brasileiros pensaram: acabou a moleza, treino agora não é mais uma recreação. Agora, seria para valer. Ficaríamos iguais aos alemães, aos ingleses e russos. Fortes, resistentes e obedientes. Improvisos, dribles desconcertantes nem pensar. O drible seria ensinado nas escolinhas, assim como o passe. Nasce o ensino dos fundamentos do esporte bretão.
Mas, quem fez a diferença e marcou as copas pós 1970, pouco referencia isso tudo. Ronaldo, Romário e Maradona quebraram uma série se regras e recomendações. Romário deveria ter treinado mais e freqüentado menos boates; Ronaldo, o fenômeno, deveria ter feito só o que a escolinha havia lhe ensinado e Maradona, não deveria ter driblado quase que toda uma equipe e fazer um gol de copa do mundo. Isso não era recomendável. Melhor teria sido procurar algum companheiro de sua equipe para não correr o risco de perder a bola e sofrer um contra-ataque, diria o manual de procedimentos. Hoje parece que recomendam que o jogador olhe para trás e passe a bola para alguém da defesa. Os meio campistas, muitas vezes, jogam de costas para o gol adversário.
A copa da África mostrou muito isso. Felizmente, venceu quem fez o contrário. Tocou a bola verticalmente, fez jogadas de intuição e talento, permitiu individualismos e mesmo assim foi o melhor futebol coletivo da copa. Enquanto muitos pediam: chuta para o gol, chuta! O jogador espanhol lapidava o diamante em seus pés. Rolava-o para o companheiro de equipe como se o entregasse em uma bandeja de prata. Era um banquete de gala. O gol seria o ato final, com o adversário prostrado, esvaído pelos dribles e pelo circular elegante da bola para deleite dos milhares de torcedores e expectadores. Desacostumados a esse balé plástico os holandeses partiram para o desmonte dessa ousadia. E o manual parece ensinar que, em situações de emergência, a violência pode ser uma boa alternativa. Que o digam as pernas de Neimar do Santos, de Caio do Botafogo e de Ronaldo, o fenômeno. O futebol é um jogo viril, mas não deve ser violento como a Holanda se propôs.
Ao final, venceu não só a beleza do futebol criativo, mas também a paixão. Esta, selada pelo beijo de Casillas, goleiro espanhol, em sua namorada, jornalista, em plena transmissão televisa mundial. A Fúria virou talento, virilidade e paixão. A Espanha fez a síntese do melhor futebol do mundo, desde sempre.
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