Tuesday, June 08, 2010

Labirintos



Certa vez, em um reino distante, aproximava-se o período das eleições mandatárias. Sim, naquele reino era assim que se chamavam os cargos eletivos, quase que de forma geral. As pessoas já estavam habituadas a obedecer e servir aos eleitos. Aceitavam que o Estado tem o poder pleno. Tanto aceitavam a idéia de Jean Bodin em que deve haver uma autoridade plena que avoque a condição de julgar e arbitrar decisões, quanto admitiam a ética Hobbesiana que define liberdade como ausência de oposição. Naquele reino os cidadãos buscavam em alguns filósofos a dualidade onde há medo, há esperança. E assim viviam premidos pelo primeiro, alimentados pelo segundo. Era um povo cordato, banhado pelo mar e encoberto pelas montanhas. Em período de eleições a maior preocupação não era o destino do reino, suas melhorias e suas necessidades emergenciais. Os debates centralizavam-se na força dos mandatários e na suas capacidades de coagir, convencer e aglutinar outros mandatários em torno de si.

Não havia, naquele belo reino, água e óleo. Tudo era um mesmo líquido. E tão fluido que circulava escorregadio por entre as entranhas do poder, conduzido por canais milimétricos como se fosse o labirinto do minotauro da ilha de Creta. Só quem deixou bem marcado com migalhas de tentação saberia conduzir esse líquido de volta à fonte. Como fez Teseu usando o novelo de lã ofertado por Ariadne, na mitologia grega, o qual depois viria criar o Senado e as bases para uma democracia. Muitos anos depois, quando Teseu volta para casa, reencontra Atenas dilacerada por lutas internas. Voltando ao nosso reino, ele era muito interessante, pois tudo podia mudar a cada instante. Inclusive o pensamento das pessoas mandatárias. Então, os aspirantes a mandatários ficavam a maior parte de seu tempo tentando entender ou prever ações subseqüentes no âmbito do poder legitimado. Inclusive aquelas que já detinham funções públicas de elevada importância e impacto na sociedade e em seus súditos. Em períodos de eleição, relegavam ao segundo plano as funções administrativas e políticas sob suas responsabilidades para se dedicarem à eleição de algum postulante a mandatário, participante de seu próprio feudo. Sim, é preciso dizer que nesse reino havia feudos. Guarnecê-los era um exercício constante e infindável, pois a cobiça grassava que nem poluição por micro-partículas sólidas.

A maior angústia dos mandatários daquele reino era um dia tudo chegar ao fim. Dos súditos também, pois se habituaram a ser mandados. Enchiam templos, palácios e mansões para ouvir e seguir as determinações e sugestões de seus oradores. Não queriam questionar muito, sequer pensar muito. Queriam mesmo eram empregos, vantagens pessoais, benefícios próprios. Afinal, naquele distante reino, as pessoas “bem sucedidas”, que enriqueceram e viviam cercadas de amigos e admiradores assim haviam procedido. Ficavam mais felizes e alienadas ainda quando o tempo das eleições coincidia com o tempo de uma competição esportiva que reunia muitos outros reinos. É curioso, mas os habitantes daquele lugar só mostravam ostensivamente seu amor por aquele reino nessas épocas. Usavam bandeiras, camisas e outros adereços. Reuniam-se, bebiam cerveja e cantavam o hino oficial como se mandatários também fossem. E assim, mandatários e aspirantes a mandatários podiam decidir com lutas internas os destinos daquele reino encantado por seus recursos naturais e sem saber distinguir servidão de liberdade. E menos ainda - por não terem o hábito de ler e então conhecer Rousseau - saber fazer com que um povo da servidão recuperasse a liberdade.

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