Sunday, March 22, 2009

Gran Torino



Certa vez, eu estava em New York . Resolvi ir até o SOHO, uma parte muito interessante da cidade, e me encontrei, ao virar uma esquina, em uma feira de rua. Ali pessoas ofereciam artesanatos, relíquias em forma de móveis usados, coleções das mais diversas e, então, encontrei uma pequena e colorida licoreira. A pessoa que me vendeu, disse, orgulhosamente, ao me entregar o objeto: “Isso é do tempo em que havia muito mais coisas Made in America”. Depois, sorriu, agradeceu a minha visita, voltou-se para outro novo cliente e eu sumi em direção ao Village.
Isso tudo me veio à lembrança ao assistir “Gran Torino”, o recente filme de Clint Eastwood. Como sempre, imperdível. Ele é mestre inconfundível em um tema que o cinema norte-americano navega há muitos anos. A figura de um herói que deixa saudades. O filme se organiza em três núcleos principais: Há um ambiente tranqüilo em que um grupo de pessoas segue uma rotina comum e previsível. De repente, algo acontece e esse ambiente se desorganiza, seja do ponto de vista afetivo ou mesmo de violência, como é o caso do “Gran Torino”, e surge alguém, de outro ambiente, que irá lutar para restabelecer a ordem cotidiana atingida. São centenas de filmes com esse enredo. Porém, esse intruso tem que se retirar ao final, quando as coisas tendem a seguir com mais tranqüilidade. Ele não deve pertencer aquele mundo.
Quando fez “As Pontes de Madison” foi assim no campo afetivo. A inesquecível cena da Meryl Streep com a mão na maçaneta de abrir a porta do carro de seu marido e ir até uma vida diferente é marcante. A chuva cai como se assim o fazendo lavasse todo o passado e fizesse florescer um novo amanhã, irrigado pelos sonhos que acalentou. No entanto, a camionete de Clint some, devagar, no longo caminho à frente. Em outro filme recente, “O Lutador”, com Mickey Rourke, esse tema se faz presente. Não na figura do lutador em fim de carreira, mas o que ele representa para a stripper. Ela é teve uma vida “normal”, com filho, e virou dançarina decadente em boate também decadente. O lutador aparece em sua vida e ela percebe a possibilidade de mudança. De ter uma vida cotidiana comum às pessoas que admira. Mas ele, ao final, diz: meu mundo é outro e é nele que as pessoas me veem como eu gosto. E caminha em direção à autodestruição. Apesar disso plantou nela a vontade de lutar por uma vida melhor.
Agora, Clint vê com arrogância uma família vizinha de origem asiática, com uma vida regular, com visita de parentes, nascimento do neto – o símbolo da continuidade da família – e culto a valores éticos. Ele é uma pessoa isolada, propositalmente afastada do cotidiano repleto de simbolismos do fracasso americano no Vietnã e na indústria automotiva. Sua camionete é Ford. Seu Gran Torino, também. Tem, apenas os mesmos e poucos amigos e perdeu a esposa, que faleceu. Então, surge o desequilíbrio: uma gangue tenta mudar a tranqüilidade dos vizinhos ao atrair o caçula da família Hmong para o crime. Distante, apesar de vizinho, o herói se aproxima e protege os imigrantes assediados. Aos poucos cede ao carinho e ao afeto de quem defendeu. Mas a paz inexiste, pois a gangue não desiste do mal. Insiste e traz à lembrança de Clint a guerra da Coréia. O dilema entre o que é a vida e o que é a morte invade seus pensamentos. Nem o padre local tem essa convicção. E ele parte para o confronto de uma forma simbolicamente tocante. A morte preservando a vida.
Ao final, então, o herói se foi. Surgiu, reorganizou e partiu. Nesse caso, à maneira ímpar e brilhante de Clint assim o fazer.

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